Solitário no dáblio
quarta-feira, 31 de outubro de 2007
A arte é longa e a vida é breve
O crítico e o poeta enontraram-se na porta da Academia. Poeta menor, disse o primeiro. Medíocre, disse o segundo.
Dispararam as armas ao mesmo tempo. Ninguém foi ao enterro dos dois.
As viúvas desfizeram-se rapidamente das bibliotecas.
Dispararam as armas ao mesmo tempo. Ninguém foi ao enterro dos dois.
As viúvas desfizeram-se rapidamente das bibliotecas.
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José Eduardo Degrazia
José Eduardo Degrazia
Contista e poeta. Autor de A Terra Sem Males , O Atleta Recordista (amostra cima), A Orelha do Bugre e OS leões selvagens de Tanganica.
OS PÁSSAROS
Eu sou a vizinha do lado, disse a mulher ao policial que se encontrava no local do ocorrido. Ele era velho, continuou a vizinha, vivia sozinho. Hoje cedo foi encontrado assim: casa desarrumada, penas e milho espalhados por tudo. Vidraças do quarto quebradas, corpo todo ferido e os olhos furados. Era aposentado, coitado. Saía cedo com o pacote na mão e ia lá para a Santos Andrade. Os bichos vinham em revoada. Faziam alvoroço em volta dele. Ele alimentava aqueles pássaros. Há três dias uma gripe forte o deixou de cama. Os pombos devem ter sentido muito a falta dele.
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Luís Antonio Alves Fidalgo
Poeta e compositor. Autor de Microcontos/Microstories (amostra acima) - edição bilíngue.
Poeta e compositor. Autor de Microcontos/Microstories (amostra acima) - edição bilíngue.
O ANIVERSÁRIO
A secretária não esqueceu as flores, conforme indicado na agenda de seu computador. O aniversário de casamento do chefe. A esposa, ao recebê-las no meio da tarde, não pode se conter de contar a todas as amigas.
À noite, no jantar, ela podia se permitir apimentar o momento.
- Meu bem, eu vim sem calcinha debaixo da saia.
Segurando o copo de uísque, a resposta demorou um pouco por causa de um gole.
- Como você é distraída, meu bem. A mesma criança de sempre...
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Luiz Arraes
Médico e escritor. Autor dos livros O silêncio é de prata e a palavra é de ouro (amostra acima), O Remetente (contos e minicontos), Anotações para um Livro de Baixo-ajuda (micronarrativas), entre outros.
À noite, no jantar, ela podia se permitir apimentar o momento.
- Meu bem, eu vim sem calcinha debaixo da saia.
Segurando o copo de uísque, a resposta demorou um pouco por causa de um gole.
- Como você é distraída, meu bem. A mesma criança de sempre...
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Luiz Arraes
Médico e escritor. Autor dos livros O silêncio é de prata e a palavra é de ouro (amostra acima), O Remetente (contos e minicontos), Anotações para um Livro de Baixo-ajuda (micronarrativas), entre outros.
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
VINGANÇA
Olhei pela fechadura e vi meu pai em cima de minha mãe. Senti tanto ódio dele que corri para o banheiro e me masturbei demoradamente, aos prantos, até ver murchar a haste do desejo.
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Nilto Maciel
Escritor. Autor de Carnavalha , seu oitavo romance. Além de romances, tem ainda publicados oito volumes de contos, como o Pescoço de Girafa na Poeira, composto também por minicontos.
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Nilto Maciel
Escritor. Autor de Carnavalha , seu oitavo romance. Além de romances, tem ainda publicados oito volumes de contos, como o Pescoço de Girafa na Poeira, composto também por minicontos.
MENTIRAS
Lili vive no mundo do Faz-de-contas... Faz de conta que isto é um avião. Zzzzuuu... Depois aterrisou em piquê e virou trem. Tuc tuc tuc tuc... Entrou pelo túnel, chispando. Mas debaixo da mesa havia bandidos. Pum! Pum! Pum! O trem descarrilou. E o mocinho? Onde é que está o mocinho? Meu Deus! Onde é que está o mocinho?! No auge da confusão, levaram Lili para a cama, à força. E o trem ficou tristemente derribado no chão, fazendo de conta que era mesmo uma lata de sardinha.
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Mario Quintana
O texto acima foi extraído do livro Sapato Florido.
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Mario Quintana
O texto acima foi extraído do livro Sapato Florido.
PODERIA
ter sido diferente, mas não foi. Desiludida, resolveu acabar com a vida. Foi até a farmácia para ver se comprava algum veneno. Mas o balconista tinha olhos verdes e era solteiro. Olharam-se, riram um para o outro, ela perguntou se não tinha aspirina. Marcaram encontro para aquela mesma noite.
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José Eduardo Degrazia
Contista e poeta. Autor de A Terra Sem Males (amostra acima), O Atleta Recordista , A Orelha do Bugre e OS leões selvagens de Tanganica.
Contista e poeta. Autor de A Terra Sem Males (amostra acima), O Atleta Recordista , A Orelha do Bugre e OS leões selvagens de Tanganica.
TRÊS NANOCONTOS
MÁGICA
Foi tirar o coelho da cartola. Saiu um mico.
DEUS
Morreu. Quis falar com deus. Só não esperava aquela fila.
LINDA
Linda gostava do seu nome. Era a sua parte mais bonita.
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Jaime leitão
Escritor. Autor de Histórias Concisas (amostras acima).
sexta-feira, 26 de outubro de 2007
ANJOS QUE BRINCAM COM NUVENS
Não se fala em outra coisa nas redondezas daquele lugarejo tão distante no sertão, onde o sol queima infernal. Inexplicavelmente, o tempo começou a ficar nublado ali, somente ali, naquele lugar. Já fazia alguns dias que o fenômeno acontecia. Era como se uma nuvem negra e suja tivesse estacionado sobre eles. No mesmo período, a menina mais alegre do povoado também adoeceu. Não brincava mais. Seu brinquedo havia desaparecido. Procura daqui, procura de lá. Enfim, encontraram no mato escondido. Com as mãos na água da bacia, ela voltou a brincar de pegar o céu. O dia clareou de novo . Ela ficou conhecida como a menina que lavava as nuvens.
O GATINHO
Havia um gato que todos os fins de tarde se aproximava do dono e lhe lambia os sapatos com sua língua minúscula.
Vencendo uma certa timidez e uma certa precaução higiênica, o homem um dia decidiu descalçar-se para observar se o gato lhe lambia os pés como fazia aos sapatos.
Foi aí que o tigre, que se disfarçara de gato durante anos, decidiu que era o seu momento, e em vez de lamber, comeu.
Vencendo uma certa timidez e uma certa precaução higiênica, o homem um dia decidiu descalçar-se para observar se o gato lhe lambia os pés como fazia aos sapatos.
Foi aí que o tigre, que se disfarçara de gato durante anos, decidiu que era o seu momento, e em vez de lamber, comeu.
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Escritor português. Autor da Coleção O Bairro, em que integra o livro O Senhor Brecht, do qual foi tirado o texto acima.
LABIRINTO
Uma vez no labirinto, chegou um momento em que tive a impressão de que cruzava repetidamente comigo mesmo, de que eu era o outro, dentro e fora de mim, até que, desconcertado, escolhi ficar um instante quieto num ponto, talvez assim pudesse recuperar meus sentidos, e foi então que me vi, com espanto, passar por outro dos caminhos equivocados e sem saída.
.Autor de Continhos e outras alterações, do qual foi extraído o miniconto acima.
SALADA
Junte 200 gramas de beterraba, 20 mililitros de sangue, 04 perninhas de rã. Umedeça com bafo. Pitada de pêlos e três gotas de esperma. Clara de ovos, sementes de girassol, pimenta. Aqueça alho e porra. Espere Martinha chegar. Agarre-a por trás, unte cenoura com rodelas de quiabo. Banho-maria. Dentro de alguns minutos, sal.
Esprema gotinhas de suor. Por favor, não lave mãos, desejo ou qualquer virtude que possa interferir nessa alquimia.
Sirva em camadas. E cão de apetite!
Esprema gotinhas de suor. Por favor, não lave mãos, desejo ou qualquer virtude que possa interferir nessa alquimia.
Sirva em camadas. E cão de apetite!
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Escritor. Autor de Fragmento de Panaplo, Caos Portátil e Bolha de Osso, livros de "contemas" (algo entre contos e poemas).
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
LUX & IONS
Do jornal O Lince:
"O escritor Wilson Gorj participou de um bate-papo e manhã de autógrafos com a moçada da Escola Pires do Rio, em Aparecida, no dia 18 de setembro."
"O escritor Wilson Gorj participou de um bate-papo e manhã de autógrafos com a moçada da Escola Pires do Rio, em Aparecida, no dia 18 de setembro."
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
terça-feira, 16 de outubro de 2007
PISTA
......Pisou fundo no acelerador. Queria deixar tudo para trás: a cidade, a casa, o quarto, a cama, o corpo, o pu – ah, o punhal!!
. ....Como pudera esquecê-lo?!
(Miniconto que obteve o 2 º lugar no Concurso de Microcontos promovido pela Editora Andross através do Orkut.)
. ....Como pudera esquecê-lo?!
(Miniconto que obteve o 2 º lugar no Concurso de Microcontos promovido pela Editora Andross através do Orkut.)
GELO
Bom dia, querida, ele disse, deixando a luz entrar e bater no corpo deitado dela. Você está fria comigo e seus lábios têm o gosto pálido do seu beijo silencioso. Está zangada comigo, ele disse, mas não posso vir aqui todos os dias, o perigo é cada vez maior. Eles me fazem perguntas, me seguem, querem me pegar e pegar você também. Querem nos separar mas não vão conseguir. Basta você ficar aqui, quieta, por mais algum tempo, ele disse e disse tchau, até amanhã, depois jogou um beijo com a mão, baixou a tampa do freezer e saiu.
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Luís Antonio Alves Fidalgo
Poeta e compositor. Autor de Microcontos/Microstories (amostra acima) - edição bilíngue.
segunda-feira, 15 de outubro de 2007
Três poemas com feitura de minicontos
O BICHO
Vi ontem um bicho na imundície do pátio, catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, não examinava nem cheirava: engolia com voracidade. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira
Vi ontem um bicho na imundície do pátio, catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, não examinava nem cheirava: engolia com voracidade. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.
Carlos Drummond de Andrade
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ERRO DE PORTUGUÊS
Quando o português chegou debaixo de uma bruta chuva, vestiu o índio.
Que pena! Fosse uma manhã de sol o índio tinha despido o português.
Oswald de Andrade
Quando o português chegou debaixo de uma bruta chuva, vestiu o índio.
Que pena! Fosse uma manhã de sol o índio tinha despido o português.
Oswald de Andrade
domingo, 14 de outubro de 2007
MARTA E A ARANHA
-------------------------------------------___________----------------Salvador Dali
De sua janela, se preparando para sair, Maria vê. Vê a vizinha Marta derreada no seu almofadão, assistindo ao Vale a Pena Ver de Novo. Vê ainda que Marta sequer suspeita. Mas uma aranha alpinista - cuja caixa do seu mundo é também uma sala - tenta escalar o ramo de sol que pende do quadro do Salvador na parede.
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Rinaldo de Fernandes,
Escritor. Autor de O Caçador (livro de contos e minicontos, do qual faz parte o texto acima) e O perfume de Roberta (contos).
Escritor. Autor de O Caçador (livro de contos e minicontos, do qual faz parte o texto acima) e O perfume de Roberta (contos).
BRILHO
Praça Principal da pequena cidade de interior. Ele a esperava. Todos ali sabiam que ele ia romper o noivado (ali tudo se sabia). Menos ela. Chegou sorridente acenando de longe, orgulhosa de sua aliança que o sol fazia brilhar.
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Luiz Arraes
Médico e escritor. Autor de O Remetente (amostra acima) e do livro de micronarrativas Anotações para um Livro de Baixo-ajuda, entre outros.
FUTURO
quinta-feira, 11 de outubro de 2007
Miniconto do Veríssimo?
NA ILHA DESERTA
— Pô, Luana.
— Não chega nem perto.
— Mas estamos só você e eu nesta ilha. E estaremos aqui pelo resto de nossas vidas.
— A escolha foi sua. Ninguém me perguntou nada.
— Como é que eu ia saber que a pergunta não era hipotética? Que quando o cara me perguntou que livro, que disco e que mulher eu levaria para uma ilha deserta não era pesquisa? Que ele ia interpretar não como sonho, mas como pedido?
— Você devia ter desconfiado do turbante.
— Pô, Luana.
— Não chega nem perto.
— Mas estamos só você e eu nesta ilha. E estaremos aqui pelo resto de nossas vidas.
— A escolha foi sua. Ninguém me perguntou nada.
— Como é que eu ia saber que a pergunta não era hipotética? Que quando o cara me perguntou que livro, que disco e que mulher eu levaria para uma ilha deserta não era pesquisa? Que ele ia interpretar não como sonho, mas como pedido?
— Você devia ter desconfiado do turbante.
Trecho da crônica "Cuidado com o que você pede..." (Luiz Fernando Veríssimo).
DESTINO
PRECOCE
Naquela fria manhã austríaca, o pequeno Adolf aprazia-se escutando o crepitar dos corpos das formigas ao aproximá-los, em um pequeno galho, da chama de uma vela. Não se importava com as espécies inferiores.
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Edson Rossatto - editor (Andross) - é autor do livro de microcontos Curta-metragem (amostra acima) e Mansão Klaus e outras histórias.
A PRÉ-MORTE DE CAPITU
Certa manhã pedi à escrava um café forte. Ela me trouxe a xícara e a fumaça. Misturei veneno ao líquido escuro e chamei Ezequiel. “Toma este café, meu filho”. A carinha dele lembrou o nosso amigo de sábados e domingos. Os olhos, o nariz, a boca, os gestos, as mãos. Tudo de Escobar. O pequeno olhou para mim, abraçou minhas pernas e disse “papaizinho, eu te amo”. A mãe dele, lívida, chegou à sala: “Meu filho, não beba isto”. Sem fala, frio como as mãos do anjinho, ofereci a Capitu a cicuta.
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Nilto Maciel é autor de Carnavalha, seu oitavo romance. Além de romances, tem ainda publicados oito volumes de contos, como o Pescoço de Girafa na Poeira, composto também por minicontos.
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
terça-feira, 9 de outubro de 2007
ENTRE DOIS ANDARES
Sobe?, perguntei, sem outras intenções até que ele respondesse, num olhar que não piscava, sobe, sim, sempre que você quiser.
Agora parecia até um castigo. Já não subia. O elevador, digo. Emperrado entre o seis e o nove; ops, entre o sexto e o sétimo andar.
Ele mexia em todos os botões. Emergência. Abre. Um alarme disparando. Depois alguns ruídos. Engrenagens lubrificadas que se acomodavam até o silêncio.
Fecha. Desceu lentamente.
No térreo, não quis perguntar se subiria de novo. Me arrependo até hoje.
Laís Chaffe,
autora do livro de contos Não é difícil compreender os ET's.
Tem microcontos publicados nas antologias Contos de Bolso e Contos de Bolsa.
O CONTO DAS PERDIÇÕES
Sumido, disperso, difuso e distante, foi assim que ficou depois de ter sido chamado de pervertido, imoral, devasso, libertino. Não entenderam que estava apaixonado e seduzido ao extremo pelo mundo, pela vida, pelas mulheres e até pelos homens. Agora, irrecuperavelmente destruído e sem saída, se encontra aflito, ansioso, sem esperança. Só resta, então, a morte inevitável do perdido.
Fernando de Sá é um dos três nanocontistas que integraram o livro de bolso Pagando Micros.
(Miniconto composto por palavras sinônimas à PERDIÇÃO. Daí o título. )
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
COMPROMISSO
Quadris em vai-e-vem, urros, suor, lençóis amarrotados. Aquela havia sido a melhor transa de ambos. Só não continuaram porque ele precisava rezar a missa das oito.
Edson Rossatto - editor (Andross) - é autor do livro de microcontos Curta-metragem (amostra acima) e Mansão Klaus e outras histórias.
DO SEABRA
Dona Izilda tinha muita esperança e orgulho em seus alunos.
Quando foi assaltada por dois deles, levaram-lhe muito mais que dinheiro.
Quando foi assaltada por dois deles, levaram-lhe muito mais que dinheiro.
Carlos Seabra é autor do livro Haicais e Que Tais.
TRAGÉDIA MOMINA
Fantasiado de Rei, o alegre homem gordo foi brincar o carnaval. Pisou as mãos das criancinhas e os pés dos homens descalços. Cuspiu na cara dos que dele se aproximaram. Dançou, sozinho e absoluto. Por fim, uns magros passistas, fantasiados de guaranis, espetaram lanças na pança de Momo.
Nilto Maciel é autor de Carnavalha, seu oitavo romance, cuja capa ilustra o miniconto acima. Além de romances, tem ainda publicados oito volumes de contos, como o Pescoço de Girafa na Poeira, composto também por minicontos.
domingo, 7 de outubro de 2007
BOLERO
A sala pequena. No centro, o caixão enquadrado por quatro velas; o morto imenso. Num canto, sentada, amparada por mãos amigas, a viúva, pequenina. Numa sala ao lado, duas crianças, pequenas, choram baixinho. Morto enorme, pensão pequena. No coração de todos um sofrimento e uma saudade, ainda sem tamanho.
Luiz Arraes é autor de O Remetente (do qual foi extraído o miniconto acima) e do livro de micronarrativas Anotações para um Livro de Baixo-ajuda, entre outros.
sexta-feira, 5 de outubro de 2007
UM SONHO
O som do piano vinha lá do fundo. Não lembro a melodia. Era um sonho. Atrás do véu, o rosto frágil prestava muita atenção à partitura. Fazia aquilo com amor. Tentei me aproximar, mas não deixaram. O salão estava cheio de gente. Ouviam em silêncio. Quando a música acabou, só eu aplaudi. Os outros continuaram sérios. Olhei bem: eram bonecos de cera.
A pianista chorava:
- Meu Deus, quando terei uma platéia de verdade?
- Aqui estou - eu disse. - E te amo, a ti e à tua música!
Ela apontou para as cordas em meus braços e pernas:
- Mas tu, pobre, és apenas uma marionete.
Leonardo Brasiliense,
autor de Meu sonho acaba tarde (livro de contos do qual foi extraído o texto acima) e Adeus Contos de Fadas, minicontos juvenis (Prêmio Jabuti).
A pianista chorava:
- Meu Deus, quando terei uma platéia de verdade?
- Aqui estou - eu disse. - E te amo, a ti e à tua música!
Ela apontou para as cordas em meus braços e pernas:
- Mas tu, pobre, és apenas uma marionete.
Leonardo Brasiliense,
autor de Meu sonho acaba tarde (livro de contos do qual foi extraído o texto acima) e Adeus Contos de Fadas, minicontos juvenis (Prêmio Jabuti).
FÁBULA DO ALHO
Na noite, enamorados, o porco e a porca descem o rio de barco. Sobre as suas cabeças, a lua lenta é um dente de alho. Em meio às moitas de mangue fechando as águas, os dois ali, a apontar o alho no alto. As unhas da porca são canivetes resplandecendo.
Em certo momento do passeio, felizes mas famintos, eles resolvem, idéia suína, comer a lua. O porco, então, equilibrado pela porca, sobe no mastro, ergue as patas, alcança a trança baixa de nuvens. Aí pega a lua, passa-a para a sua companheira. Esta descasca-a por inteiro, as unhas amoladas. Divide-a no meio. Cada um mastiga muito a sua banda de lua, ou o seu dente de alho, antes de engolir. Depois, acamando-se nas tábuas cinzentas do barco, os dois continuam a descer o rio.
Até que, de repente, vem o alvoroço. As luzes dos barracos próximos se acendem. Espalha-se um choro alvo de criança. Asas estalam na folhagem. Latidos. É que o porco e a porca, ainda no meio do rio, agora soltam luminosos arrotos. Barulhentas erupções a temperar ainda mais o cheiro das margens.
Em certo momento do passeio, felizes mas famintos, eles resolvem, idéia suína, comer a lua. O porco, então, equilibrado pela porca, sobe no mastro, ergue as patas, alcança a trança baixa de nuvens. Aí pega a lua, passa-a para a sua companheira. Esta descasca-a por inteiro, as unhas amoladas. Divide-a no meio. Cada um mastiga muito a sua banda de lua, ou o seu dente de alho, antes de engolir. Depois, acamando-se nas tábuas cinzentas do barco, os dois continuam a descer o rio.
Até que, de repente, vem o alvoroço. As luzes dos barracos próximos se acendem. Espalha-se um choro alvo de criança. Asas estalam na folhagem. Latidos. É que o porco e a porca, ainda no meio do rio, agora soltam luminosos arrotos. Barulhentas erupções a temperar ainda mais o cheiro das margens.
autor de O Caçador (livro de contos e minicontos, do qual faz parte o texto acima) e O perfume de Roberta (contos).
terça-feira, 2 de outubro de 2007
Editora AVBL
Neste endereço há muitas obras gratuitas, em pdf.
Destaque para esta:
O Apanhador no Campo de Centeio - J.D Salinger.
Destaque para esta:
O Apanhador no Campo de Centeio - J.D Salinger.
segunda-feira, 1 de outubro de 2007
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