Engolia sapos no serviço. Em casa, cuspia serpentes. _________*
Banhava-se no raso do rio, quando tropeçou numa pedra arredondada, pouco maior do que um prato. Pesada, sim, mas nem tanto. A custo, levantou-a. Foi tragado pelo redemoinho. ____________*
O Homem de Papel foi ferido de morte. Do seu ferimento escorreram palavras. A última a abandonar seu corpo translúcido tinha apenas quatro letras: vida. ________________*
"Abra o seu coração", ele pediu. Ela obedeceu. Fez tanto frio que o amor dele também morreu. ______________________*
Tinha uma caneta de estimação. Sempre a recarregava. Sem ela, não escrevia nada. Perdeu-a, e não se cansa de procurá-la. Sua obra-prima, ainda pela metade, continua à espera. __________________________*
PRESENTE SUICIDA Desembrulhou. No pacote havia um cd com as últimas canções do Renato Russo, uma caixa de giletes e outra de Lexotan. ______________________________*
Ponteiro lento. O tédio é a ferrugem na engrenagem do tempo. *_____________________________
O DIA EM QUE OS GALOS NÃO CANTARAM Sete da manhã, ainda escuro. Deus cutuca o Sol. *_________________________
LENÇO PERFUMADO O vento roçou-me o rosto. Tinha cheiro de café. *_________________
Roupas brancas no varal. Todas limpas, menos uma. Suja pelo cocô do pardal. No ar, paira uma pluma. *_____________
A poesia é um peixe fisgado na realidade em que estou mergulhado. *__________
Pare e pense bem: é preferível o silêncio a falar mal de alguém. *________
Fugiu meu pensamento. Para onde foi? Perguntem ao vento. *______
Que merda é essa. Quanto mais quero calma mais tenho pressa. *____
O que espero da vida? Que as horas alegres sejam maiores que as sofridas. *___
Já cometi tantas besteiras, mas a maior foi cair na bobeira de não mais cometê-las. *__
é o que sempre falo: gente fina, sim, mas não pisa no meu calo. *_
amor? só ser for agora. no futuro, tô fora. *
Assim é a vida: por trás de cada encontro, uma despedida. * * *
EFEITO BORBOLETA Atiraram no lago o caroço de um pêssego, que, encharcado, atingiu o fundo. Do outro lado do mundo, ocorreu um ligeiro abalo sísmico. Poucos sentiram. Um pessegueiro deixou cair um fruto maduro.
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LÁGRIMAS PÓSTUMAS Era um homem carregado de emoção. Qualquer lembrança boa transbordava pelos olhos. Seu velório causou assombro. E curiosidade: todos queriam ver o morto que chorava.
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LEGAL Postava textos no Recanto das Letras. Uma leitora sempre comentava: "Legal!!!". Um dia, ela comentou "legal" sem nenhuma exclamação. "Não gostou muito?", perguntou o autor. "Sim", ela respondeu, "gostei muito, mas hoje estou rouca."
Na adolescência usava palavras emprestadas para me expressar: a maioria retirada das canções de rock. Raul Seixas, Renato Russo e Humberto Gessinger deram voz aos meus pensamentos e sentimentos. Depois vieram os livros e encontrei novos porta-vozes para minhas angústias e reflexões. Da leitura para escrita, hoje estou encontrando a minha própria voz. Posso contar com minhas próprias palavras para dizer o que penso, sinto e fantasio. Satisfação maior é perceber que elas têm servido a outras pessoas. Talvez seja este o mistério: quando encontramos nossa própria voz, ela não é mais só nossa, mas de todos.