terça-feira, 8 de março de 2011

FRACTAIS - LANÇAMENTO SELO 3X4

por Angela Schnoor

Hoje tanto se fala e se publica minicontos de todos estilos e qualidades. Ao receber os Fractais do Sílvio Vasconcellos li com prazer e surpresa agradável por não encontrar preocupação do autor com padrões definidos e muito menos rígidos.

São mesmo Fractais, estruturas complexas que se repetem em várias escalas sem prisão a contagens de palavras ou limites de caracteres.

Os fragmentos escritos por Sílvio nos fazem refletir sobre as ironias da vida, os desencontros e as frustrações. Mas não se trata de um livro pesado, pois é com humor que desfila os fracassos amorosos; é poético, às vezes triste, e ainda brinca com as palavras como, por exemplo, no conto que sibila:

SAUDADES

São silenciosas suas sombras, sinuoso seu silêncio, singular seu sofrimento. Só, sua sina sucumbe saboreando sentimentos, sede sufocante, salgada, sobrepondo-se sorrateiramente sobre seu semblante. (pg. 83)

Ao lado da linguagem poética, o autor ainda encontra espaço para a contundente crítica social, em

DIFERENTES PERDAS

- Sr Editor, temos que escolher a foto da capa desta semana.

- A matéria é violência urbana e a infância. O que temos aí?

- Temos centenas de fotos de famílias que perderam filhos com balas perdidas.

- Alguma família branca?

- Sim, uma.

- E qual é sua dúvida?
(pg. 90)

Após 100 páginas de minicontos em tonalidades variadas, Sílvio surpreende ao brindar seus leitores com histórias de maior porte, se bem que ainda breves e sintéticas.

NOITE, (pg. 103) resume o dilema entre sonho e realidade que permeia toda a obra. E os contos ENFIM ZULMIRA, (pg. 107) e SÚBITO (pg. 109) me pareceram textos extraordinários a encerrar e recomendar especialmente a leitura desta estrutura geométrica complexa.

Em 03-03-2011

Angela Schnoor é autora do livro O OLHO DA FECHADURA - selo 3x4, ed. Multifoco (2010).

quinta-feira, 3 de março de 2011

PARTIDA


Capricho de bêbado: queria ver navios. Chegou ao cais trançando as pernas. Um tropeço e – tibum! – caiu no mar. Água, bolhas, profundidade. Deu por si a bordo de um barco. À proa, remava Caronte.
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gORj

O GALO


Voltou da feira de animais, trazendo de lá um brinde. Os pais deram pouca importância ao fato de a filha querer criar o pintinho, pois acreditavam que ele não fosse durar muito tempo. Estavam enganados. Graças aos cuidados da menina, o pintinho cresceu e transformou-se num vistoso galo, senhor absoluto do quintal. A mãe chegou a imaginá-lo na panela. Mas não levou adiante essa hipótese. A filha era muito apegada ao bicho.
De modo que o galináceo teve uma vida tranqüila, sem ameaças, durando mais do que deveria.
Morreu de velhice.
Ou de tristeza.
Naquela casa, todos comiam galinha, menos ele.
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gORj

AMOR...


– Como conseguiu transar com ela?
– Amor...
– Amor? Mas como? Até ontem ela te odiava!
– ...dacei-a.

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gORj

A VÍBORA

Sonhou que era abraçado por uma cobra de cujas presas recebia o veneno mortal.
No mesmo dia conheceu aquela com quem se casaria e, conforme idealizava, viveria feliz para sempre. “A mulher da minha vida”, diria mais tarde, às vésperas do altar.
Assim dizia, pois não dava importância a seus sonhos; jamais procurava interpretá-los. Não fosse assim, teria se poupado de um grande pesadelo.
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gORj