domingo, 30 de dezembro de 2007

BARQUINHO DE PAPEL OFÍCIO

_____________________________álbum Jailson Brito Jr.

Gostava de brincar de barquinho. Viajava por mares longínquos e lugares que só conhecia na imaginação. Cada barco de papel era um sonho que navegava. Iria ser da Marinha quando crescesse, dizia ele. As tempestades só aconteceram no dia-a-dia. Os anos vieram com as ondas que levaram suas ilusões. Nele, o oceano só permaneceu nas águas dos seus olhos. A vida quis que ficasse em terra, trabalhando no cais do porto. Tornou-se , então, marinheiro de escritório.
é um dos três nanocontistas que integraram o livro de bolso Pagando Micros.

O NOVO PRAZER

________________________________ por wralth


A noite passada, inventei um novo prazer, e , quando estava experimentando-o pela primeira vez, um anjo e um demônio surgiram correndo para a minha casa. E encontraram-se diante da porta e puseram-se a brigar um com o outro acerca do meu prazer recém-nascido, gritando um: “É um pecado!”; e o outro: “É uma virtude!”

Khalil Gibran
Do livro O Louco.

A PAIXÃO DA SUA VIDA

Amava a morte. Mas não era correspondido.
Tomou veneno. Atirou-se de pontes. Aspirou gás. Sempre ela o rejeitava, recusando-lhe o abraço.
Quando finalmente desistiu da paixão entregando-se à vida, a morte, enciumada, estourou-lhe o coração.

Marina Colasanti
Do livro Contos de Amor Rasgados.

O GAROTO DESAMPARADO

______________________________getty images


O sr. K. falou sobre o mau costume de engolir em silêncio a injustiça sofrida, e contou a seguinte história: “Um passante perguntou a um menino que chorava qual o motivo do seu sofrimento. ‘Eu estava com dois vinténs para o cinema’, disse o garoto, ‘aí veio um menino e me arrancou um da mão’, e mostrou um menino que se via a distancia. ‘Mas você não griou por socorro?”, perguntou o homem. ‘Sim’, disse o menino, e soluçou um pouco mais forte. ‘Ninguém o ouviu?’, perguntou o homem, afagando-o carinhosamente. ‘Não’, disse o garoto, e olhou para ele com esperança, pois o homem sorria. ‘Então me dê o outro’, disse, e tirou-lhe o último vintém, continuando tranqüilo o seu caminho”.

Bertolt Brecht
Do livro Histórias do Sr. Keuner.

DESPEDIDA

Livros, discos, duas fotos. Tudo na grande mala, quando ergueu os olhos e a viu chegando. “Pensou bem nisso?”. Ele não respondeu. Fechou com vagar a mala. Foi ao banheiro, tentou olhar-se no espelho. Ela parou perto dele. O silêncio entre eles, um piano a martelar no vazio. Ele mija com displicência. Apanha a escova de dentes e volta ao quarto. Por uma frestinha, enfia a escova na mala. “Tchau”, disse. Ela, em seguida: “Pensou bem nisso?”. Ele não respondeu e fechou devagar a porta definitiva. Quase medindo os passos, sai à calçada arrastando a mala enorme, maior que ele. Justo um dia antes da festinha de oito anos.

Jaime Vaz Brasil
Da antologia Brevíssimos! , pág. 77.

domingo, 23 de dezembro de 2007

MINUTO

Era uma vez um homem que estava preso. Um dia, quando acordou, olhou plea janela; e pensou como gostaria de estar a correr numa praia deserta. Depois, passou os olhos pela parede escrevinhada, coberta de desenhos; e imaginou o filho na escola, a aprender. Olhou uma fatia de pão seco e recordou a mulher, terrível cozinheira, ótima amante, companheira da sua vida.
Ficou a pensar em tudo aquilo. Praia deserta. Filho a crescer. Mulher amada.
Olhou o relógio. Tinham passado três minutos desde que acordara. Faltavam sete anos para ser libertado. Dois milhões novecentos e setenta e cinco mil minutos.

Paulo Kellerman
Do livro Miniaturas.

OS VIAJANTES

. _____________________O CORVO por Guilherme Kramer

Alguns homens iam por uma estrada para fechar um negócio. Eis que, no caminho, encontram um corvo caolho. Como não queriam passar pelo pássaro, um deles, pensando que estavam diante de um mau presságio, achou melhor não ir em frente. Um outro replicou:
- Como esse pássaro pode prever nosso futuro se não soube evitar a perda de seu próprio olho?
Não dá para ouvir os conselhos de quem não sabe cuidar de si mesmo.

PO CHU-I / A JAULA


. __________________________PO CHU-I

De manhã suspirava vendo meus cabelos que caíam. À noite suspirava vendo meus cabelos que caiam. Mas muito antes dos meus cabelos, acabaram meus suspiros.


. _________________________________by Catedral2005

. ____________________A JAULA

Na solidão da jaula o homem não tinha o que fazer. Até que pegou o prato de lata, achatou-o com o salto do sapato, riscou ônibus, e pendurou-o nas grandes.
Sentado debaixo da placa, o homem já tem o que esperar.

Marina Colasanti
Do livro Zooilógico.

O TRANSPLANTE

A cirurgia foi um sucesso: implantaram um coração de plástico no seu peito. Deram-lhe alta. Não houve rejeição e ele pode respirar tranqüilamente.
No caminho para casa apaixonou-se por uma boneca da loja de brinquedos.

José Eduardo Degrazia
Do livro A Orelha do Bugre.

domingo, 9 de dezembro de 2007

O CAVALO DOMÉSTICO E O CAVALO SELVAGEM

"Cavalos" por Moisés

Ao encontrar-se com um Cavalo Doméstico, um Cavalo Selvagem crivou-o de sarcasmos sobre o seu estado de servidão; mas o outro replicou-lhe que era tão livre como o vento.
- Se isso é assim, para que servem esses freios que tens na boca?
- É ferro, um dos melhores tônicos do mundo.
- E que significa essas rédeas que tens presas aos freios?
- Ora, para impedir que eles me caiam da boca, quando me sinto demasiado indolente para os segurar.
- E a sela?
- Poupa-me a fadiga: quando me sinto muito cansado, salto-lhe para cima e lá vou eu a cavalo.
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do livro Fábulas Fantásticas.

COMUNHÃO

Os santos e Nosso Senhor Jesus Cristo estão cobertos de roxo. O vigário está dormindo. Depois do almoço ele faz a sesta. Já é idoso. O sacristão está na casa dele. Foi fácil entrar na igreja. "Vou roubar e nenhum santo vai ver. Nem Jesus Cristo. Estão todos com a cara coberta", fala para si mesmo, em voz de surdina, Claudionor, o Nonô, ladrão de igrejas, enquanto força o sacrário e dele retira o cálice de ouro usado para a comunhão dos fiéis.
Lá fora um dia de sol brilhante. Sem uma nuvem. Dentro do templo o silêncio é quebrado pelo ranger das dobradiças da porta lateral. Chega o sacristão. Melhor fugir. Só dá para levar o cálice repleto de hóstias.
Pela porta da frente foge o ladrão. Na escadaria, um raio seco o fulmina. Cai segurando o cálice.
Nesse dia as aves do céu comungaram.

Arnaldo Setti,

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O miniconto é um gênero difícil, todos os que até agora escreveram sobre ele o dizem. E é verdade. Nada mais aparentemente fácil quanto meia dúzia de linhas, alguns caracteres, um enredo sucinto, um personagem com caraterísticas marcantes, e eis um miniconto. Nada mais longe da verdade. E os bons escritores que se dedicam a ele, e já são tantos, o sabem a duras penas. Nada pior do que a aparente facilidade. Nada mais distante do fácil e do fóssil, como dizia Drummond, do que o miniconto.
Pois o miniconto é um híbrido de conto e de poesia. Tem do primeiro a história, o fato, o personagem, e, do segundo, o imprevisto, o trabalho de linguagem, a síntese e a metáfora. Tem mais, da poesia, o fecho como o verso de ouro de um soneto. Não acerta um miniconto quem não sabe terminá-lo. Mesmo que se inicie o mais comum dos relatos, o miniconto termina sempre de uma maneira insólita e impactante, ou não termina, o que vem a dar no mesmo.
Mas quem escreve minicontos sabe que o leitor precisa de pontos de apoio, que não pode prescindir de um enredo para entreter-se com as coisas da vida, matérias do cotidiano, pequenas vidas de outros que são como as nossas, às vezes piegas, outras fantásticas, de qualquer modo realistas, pois no mundo e no miniconto tudo é possível.

Trecho da Apresentação do livro de Arnaldo Setti, assinada pelo poeta e minicontista José Eduardo Degrazia.



COLAR / NOTURNO


COLAR

Reuniu todos os brilhantes momentos que juntos passaram e debruçada na janela puxou o fio de uma nuvem que se esgarçava tecendo um belíssimo colar que tão logo ficou pronto se desprendeu de suas mãos e caiu.

As contas espalharam-se pela paisagem noturna e ficaram por algum tempo ainda cintilando em forma de pequenas luzes.




NOTURNO

O violino, com o fino anzol da música, fisgou a lua no fundo do rio, e a manteve suspensa por alguns compassos.
Na primeira pausa, a lua, sobre a água, derramou-se em prata.


Maria Lúcia Simões,
do livro Contos Contidos.

Imperdível


Depois do aperitivo do Novos Contos Imperdíveis oferecido na Feira do Livro, finalmente chegou o momento do Lançamento oficial da obra.
Aqueles que não puderam comparecer terão outra oportunidade.
Organizado por Charles Kiefer, o trabalho traz ótimos contos selecionados através de concurso realizado no final de 2006.
Márcio Ezequiel e os outros autores da antologia aguardam você.