quinta-feira, 19 de abril de 2012

CANTEIROS


O poeta andava sem inspiração. Há tempos não escrevia um poema que prestasse. Caminhava à procura da poesia, quando encontrou um jardineiro que transportava uma roseira de um canteiro para outro.
- O que há com ela?
O jardineiro, terminando de replantar a roseira, respondeu:
- Parou de dar flores.
- E você acredita que trocando de lugar ela volte a florescer?
- Sinceramente, não sei. Mas, se não tentar, como saberei?
No mesmo dia, o poeta fez a mala e partiu em busca de outro canteiro.
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GESTO DELICADO


A cabeça fervia, testa suada. Dar cabo da vida, ele pensava. Um vento fresco soprava. Tocou-lhe como um gesto de carinho. E a vida foi perdoada.

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ALGUMAS LÁGRIMAS PÓSTUMAS


REPRESADO

Ninguém nunca o via chorar. Sustentava a seco a fama de durão. Lágrimas nem mesmo quando a esposa faleceu. Acompanhou velório e sepultamento sem verter uma gota de sua dor.
Foi o último a deixar o cemitério.
Mal cruzou os portões, começou a chover.
Chuva abençoada, que deslizava veloz pelo rosto desconsolado.
De carona, o pranto.

* * *

DERRETIDAS
Em seu velório, poucos compareceram. Ninguém para chorar. As velas, solidárias, derramavam lágrimas de cera.


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PEQUENOS POEMAS


PARA EMOLDURAR PAISAGENS

VERMELHO-SANGUE
Com os pulsos cortados, a tarde se deita no horizonte. Faz-se noite.
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PANTERA
O gado pasta. Aves regressam. Silhuetas: árvores, montanhas. A noite se aproxima e devora tudo: montanhas, árvores, aves, gado. Saciada, ela se espreguiça. Bela, serena, a pele tatuada de estrelas.
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ORAÇÃO
Anoitece na várzea. Os ruídos dos sapos, rãs e grilos formam uma massa sonora que purifica o silêncio. Hora da natu-reza. Amém.
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ESTAÇÃO
Algumas aves já começam a migrar. De carona nas asas, levam o Verão. Da terra, acenam as árvores galhos desnudos. No solo, folhas de saudade.
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OUTONO-INVERNO
O verão morreu. Seu cadáver esfria.
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BORBOLETAS PARDAS
Outono sopra o vento. Folhas mortas adejam um voo emprestado.
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OUTONO-INVERNO II
As árvores choram folhas. Nem o sopro do vento as consola pela falta que sentem dos passarinhos.
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Da amizade entre borboletas e flores nasce a primavera.
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CÓPIA FIEL


Pensou em alguns políticos. Imaginou-os juntos, posando para uma fotografia. Click. "Cambada de merda", pensou, tendo em mente a imagem registrada. Sentiu vontade de expulsá-la de si e correu para imprimi-la. Entrou num lugar reservado, sentou e imprimiu. Mas não quis ver o resultado. Deu descarga de olhos fechados.

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