quarta-feira, 7 de julho de 2010

O CANTO DA IRONIA


Naquele dia o coronel repreendeu o filho por salvar um pardal das garras de um gato. “Mas, pai, eu só queria ajudar”, desculpou-se. E o coronel, bravo: “Ajudar a quem? O gato que não foi. Por sua culpa, ele ficou sem almoço.” O garoto alegou que tivera pena. “Achei que era certo salvar o bichinho...” “Agiu errado, filho”, sentenciou o pai. "Gato come pássaro. Essa é a lei da natureza. Se Deus quis assim, quem somos nós para mudá-la?”
A lembrança desse dia perdeu-se no acúmulo dos anos. O coronel entrou para reserva. Pôde, assim, dedicar-se ao que mais gostava. Caçar.
Encontrava-se na África, quando algo de muito terrível aconteceu.
Aventura-se sozinho pela savana. De repente topou com um leão. Imediatamente, posicionou-o na mira do rifle. O felino também o avistou.
O caçador puxou o gatilho. Puxou, puxou, sem detonar nenhum disparo.
A arma travara. Bem diferente das pernas do leão, que continuavam pondo-o em movimento, avançando na direção da presa fácil.
Indefeso, o coronel implorava a Deus: “Por favor, Senhor, socorra-me!”.
Em resposta, escutou um canto melodioso.
Um anjo?
De angelical, apenas as asas.
Num galho próximo, o pássaro continuou a cantar enquanto o leão se lançava sobre o homem desprotegido.
Em seus últimos momentos de consciência, o coronel ainda escutou aquele canto que parecia debochar de sua desgraça.
Era como se lhe dissesse: “Coronel, essa é a lei da Natureza...”.
.
[gORj]

2 comentários:

Angela disse...

O que não é lei da natureza é alguém ir caçar na África, ainda mais sozinho... esta é a lei da arrogância, me parece.
bom conto, Wilson!

Eliane Accioly disse...

Gosto muito dos seus contos, são ótimos!