segunda-feira, 25 de setembro de 2023

A LARANJA


O homem está refestelado na poltrona, as pernas esticadas.
– Mulher, tire meus sapatos.
Ela prontamente obedece.
– Agora – continua o homem – traga aquela gororoba que você chama de comida – diz fazendo um gesto com o controle na mão, enxotando-a da frente da tevê que exibe uma partida de futebol.
Instantes depois, ela retorna com a janta. Ele reclama:
– Imprestável. Você esqueceu a água. Será que tenho de pedir sempre?
E lá vai ela à cozinha, voltando a seguir com o copo cheio.
Terminada a refeição, o homem arrota satisfeito e ordena mais uma vez. 
– A sobremesa.
A esposa reaparece na sala com um prato raso sobre o qual repousam a faca e a laranja.
– Que isto? – pergunta ele, furioso. – Laranja verde? Não tinha uma melhor, não? Vá buscar outra agora, sua imbecil.
A gota d’água para que a fúria transbordasse. Os movimentos da mulher foram muito rápidos. Ela lançou o prato com a laranja na cara do marido, mas reteve na outra mão o cabo da faca. A lâmina penetrou fundo naquele peito peludo e repugnante. O homem apenas arregalou os olhos e escancarou a boca, o grito morto na garganta. 
Com calma, a mulher retirou a faca, limpou a lâmina na barra da saia e pegou de volta a laranja rejeitada. Descascou-a, tirou um pedaço, experimentou. Muito azeda, de fato. Mas ela nem fez cara feia.

[gORj]

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