sexta-feira, 5 de outubro de 2007

FÁBULA DO ALHO


Na noite, enamorados, o porco e a porca descem o rio de barco. Sobre as suas cabeças, a lua lenta é um dente de alho. Em meio às moitas de mangue fechando as águas, os dois ali, a apontar o alho no alto. As unhas da porca são canivetes resplandecendo.
Em certo momento do passeio, felizes mas famintos, eles resolvem, idéia suína, comer a lua. O porco, então, equilibrado pela porca, sobe no mastro, ergue as patas, alcança a trança baixa de nuvens. Aí pega a lua, passa-a para a sua companheira. Esta descasca-a por inteiro, as unhas amoladas. Divide-a no meio. Cada um mastiga muito a sua banda de lua, ou o seu dente de alho, antes de engolir. Depois, acamando-se nas tábuas cinzentas do barco, os dois continuam a descer o rio.
Até que, de repente, vem o alvoroço. As luzes dos barracos próximos se acendem. Espalha-se um choro alvo de criança. Asas estalam na folhagem. Latidos. É que o porco e a porca, ainda no meio do rio, agora soltam luminosos arrotos. Barulhentas erupções a temperar ainda mais o cheiro das margens.

autor de O Caçador (livro de contos e minicontos, do qual faz parte o texto acima) e O perfume de Roberta (contos).

Um comentário:

Angela disse...

Leonardo Brasiliense é fora de série!
Obrigada por estas publicações. Assim, seus leitores podem avaliar a qualidade dos livros a adquirir e ainda ter noção mais real do valor de seus contos.
Um abraço