sábado, 25 de julho de 2009

COLETA


Da coleta de latinhas, papel e plástico, tirava o sustento da família. A seus filhos o lixo também fornecia os brinquedos.
Para a esposa, às vezes, trazia alguns agrados. Como o anel, que outro dia encontrara no lixão. Local onde também, vez por outra, encontravam-se cadáveres. Com ou sem anéis.
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[wgorj]

ANESTESIA

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I.
Por muitos anos, viveram como se nadassem num mar de rosas.
Anestesiados pelo amor, não sentiam os espinhos.
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II.
Esgotado o romantismo, sentiram as primeiras espetadas. As quais, pouco a pouco, tornaram-se recorrentes, corriqueiras.
Apesar disso, permaneceram juntos até o fim.
Na verdade, não é só o amor. O tempo também anestesia.
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[wgorj]

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Dois corpos e um viaduto

A VÍTIMA
Há anos caminhava por aquelas bandas e nunca fora vítima de nenhum assalto. Mas ao ver aquele sujeito esperando-o no alto do viaduto, considerou que finalmente havia chegado a sua vez.
Cogitou em retroceder. Chegou a dar um passo atrás, mas parou. Censurou-se. Não fosse covarde. Afinal, por que se via como vítima antes mesmo de sê-lo? Sabia se defender, ora! Se houvesse vítima, que ao menos não fosse ele.
Resoluto, foi ao encontro do esperado. O estranho veio em sua direção, pondo a mão dentro do casaco, quem sabe prestes a sacar de uma arma.
Não pôde sacar nada porque o outro não lhe deu tempo. Rápido investiu sobre o oponente, aplicando-lhe súbita gravata. Cotoveladas, puxões, coices. A qualquer custo tentava o estranho se soltar, enquanto era arrastado para a grade de proteção...
Antes de retomar a caminhada, o outro olhou mais uma vez para o corpo estatelado no asfalto, ao redor do qual formava-se uma poça de sangue. Com certo orgulho pensou no noticiário do dia seguinte: "A vítima foi encontrada..."
De fato assim aconteceu. Um jornal deu a notícia do crime (os sinais de agressão descartavam suicídio). Em dado ponto da matéria, o detalhe esclarecedor: "De valor nos bolsos da vítima, nada foi encontrado. A não ser um maço de cigarros e uma caixa de fósforos vazia".


DESTINO SELADO
Deixou a clínica com o coração nas mãos. Na verdade, elas seguravam o envelope com o resultado do exame. Decidira abri-lo somente quando chegasse à parte mais alta do viaduto rodoviário. Havia jurado para si mesmo que, se o resultado fosse positivo, não esperaria pelo sofrimento prolongado, acabaria com tudo ali mesmo.
No ponto mais elevado do viaduto, posicionou-se rente à mureta de proteção e pôs-se a abrir o trêmulo envelope. Estava, portanto, prestes a puxar o exame, quando uma lufada repentina arrebatou-o de sua mão.
Na tentativa de recuperá-lo, inclinou demais o corpo e acabou perdendo o equilíbrio. Caiu de encontro ao asfalto. O envelope, por sua vez, planou até cair na caçamba de um caminhão. Já o papel do exame foi levado pelo vento, enroscando-se na copa de uma árvore à margem da rodovia.
O vento intensificou-se, trouxe a chuva. O papel encharcou, borraram-se as letras. A palavra NEGATIVO tornou-se ilegível.
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terça-feira, 21 de julho de 2009

terça-feira, 7 de julho de 2009

Uma jóia d'e-book!

Microcontos ilustrados
[pág. 23 e 24 - wgorj]
Pode ser lido ou baixado gratuitamente.
Surpreenda-se! É só clicar na capa.
Uma bela produção do site Aletria.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

CONCLUSÃO

Estava à procura dos óculos. Sondou cantos, tateou móveis, vasculhou a casa por completo sem encontrá-los em nenhuma parte.
Desanimada, a velha quedou-se. Pousou a cabeça no encosto do sofá e esfregou os olhos cansados: a vista cada dia mais fraca.
Não havia dúvida de que precisava dos óculos. Sem eles - admitiu, por fim - seria inútil qualquer procura.
Conclusão absurda, essa a que chegara: sem os óculos não poderia encontrá-los.
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[wgorj]

VAMPIRISMO


A balada estava rendendo. Ficara já com quatro caras, incluindo aquele sujeito estranho; rapaz meio esquisito, todo vestido de preto (o maldito lhe dera um chupão doido no pescoço!).
Tantos beijos. Hora de recompor o batom.
No banheiro, não conseguiu se encontrar.
O espelho devolvia a imagem de uma pessoa vazia.
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[wgorj]